O jornal Metrópoles, conhecido por repetidas informações falsas sobre a aviação civil e militar (ver exemplos no final desta publicação), voltou a publicar uma reportagem com dados desconexos. Após a queda do voo 2283 da Voepass, que vitimou 62 pessoas em Vinhedo (SP) na última sexta, dia 9, várias teorias para o que pode ter acontecido foram colocadas, tanto pelo público como por profissionais do setor, assim como por pessoas que não têm nenhum conhecimento aeronáutico.
Enquanto os “debates no campo das ideias”, apesar de prematuros e muitas das vezes imprudentes por criar alarde antes da investigação, não ganha páginas de notícia, o caso do jornal brasiliense é o oposto disso.
A começar pelo título: “Perda súbita de altura fez avião cair em Vinhedo, diz Cenipa”, citando o conceituado órgão brasileiro de investigação de acidentes aéreos, que em nenhum momento atestou que foi uma “perda súbita de altitude” a causa do acidente e nem cita isso nos dados disponíveis no painel do Sipaer, o Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos.
Obviamente, a perda súbita existiu, mas não como uma causa e sim como o efeito gerado por algum fator em voo, ainda a ser esclarecido pelas autoridades.
No decorrer do texto, a jornalista, que não tem formação aeronáutica, fala que foram levantadas três hipóteses, mas sem citar quem as levantou. Citando primeiramente a ocorrência de gelo nas asas, fazendo alusão ao acidente da American Eagle em 1994.
Depois, é discorrido sobre o fato do avião ter tido um incidente de tail-strike semanas antes do acidente, mas sem explicar o por quê esta ocorrência poderia causar a queda de uma aeronave.
O tail-strike é algo de passível de ocorrer em qualquer avião e vários deles, inclusive como relatado regularmente no AEROIN, são reparados e voltam a voar normalmente por anos até a aposentadoria. Em caso de manutenção malfeita pós tail-strike, o avião poderia ter implicações estruturais em voo, mas, pelas imagens do acidente, ele caiu íntegro, ou seja, com todas as suas partes no lugar (asas, fuselagem, motores e estabilizadores).
Por último, e a parte mais alarmante e fantasiosa, a repórter levanta o fato da aeronave estar supostamente sem o sistema de ar-condicionado funcionando corretamente e que isso, nas palavras escritas no Metrópoles, “teria prejudicado a sua refrigeração”, sem citar de que parte ou como e nem como isso poderia levar a um acidente.
Como descrito no manual de Operações do ATR 72 (foto abaixo), o sistema de ar-condicionado da aeronave utiliza da sangria (bleed) do ar dos compressores de baixa e alta pressão, que acionam um sistema pneumático, diferente do sistema de degelo e anti-gelo, que funcionam com o impacto do ar direto do compressor de alta.
O ATR, não apenas da Voepass, mas de qualquer operadora, tem uma “má fama” relacionada ao calor por outro motivo que não envolve o sistema de bleed. A aeronave, por ser de menor porte, não conta com o motor auxiliar conhecido como APU, que é um pequeno gerador que fica na cauda das aeronaves maiores como Airbus A320, Boeing 737 e Embraer E195.
Logo, quando está em solo, precisa de usar um de seus motores de propulsão (com as hélices desconectadas) para fazer o sistema de ar-condicionado funcionar, conhecido como Hotel Mode, como é mostrado no vídeo abaixo:
O Comandante e Instrutor de ATR, Magnar, que também já comentou o caso da queda do avião da Voepass, cita que o uso do Hotel Mode consome até 20% a mais de combustível do que o mesmo motor com hélices girando mas sem produzir potência efetiva, dada a resistência maior da própria turbina já que ela está travada. No caso do voo 2283, ele não cita sequer o ar-condicionado ou do tail-strike como hipóteses.
Além da opção de usar este modo, as companhias aéreas podem conectar uma fonte externa para fornecer o ar-condicionado. O que ocorre é que em muitos aeroportos não há disponibilidade de meios externos para resfriar o ar, ou as empresas não usam por questão de economia financeira, assim como evitam usar o Hotel Mode para não consumir tanto combustível antes da partida.
Soma-se ao fato de que o ATR é um avião menor, com fuselagem mais apertada e com portas menores, dificultando a circulação de ar e dissipação do calor interno. Logo, muitos passageiros que entram na aeronave sentem a temperatura mais alta, mas isto não é porque o sistema de ar-condicionado não está funcionando (se fosse esse o caso, os passageiros iriam morrer de frio durante o voo de cruzeiro), e sim que ele não foi ativado em solo por restrições operacionais ou por política de economia de custos.
Ao contrário do deslocamento terrestre, que é natural do ser humano desde os primeiros anos de vida, e do aquático, que é uma habilidade dominada há milênios e parcialmente “praticada” na gestação, o transporte aéreo é uma realidade de pouco mais de 100 anos; por isso, causa estranheza natural para muitas pessoas.
Levantar hipóteses sobre acidentes sem o mínimo de base técnica só serve para espalhar medo, atrapalhar o trabalho sério de especialistas e tumultuar a situação com desinformação, a famosa “Fake News”.
NOTA DO EDITOR: O Metrópoles e seus jornalistas têm um histórico de informações incorretas sobre a aviação, que incluem a notícia sobre uma tenente da Força Aérea Brasileirater sido expulsa após publicar conteúdo adulto, outra sobre o Comandante da Aeronáutica estar apoiando um golpe militar e até uma sobre um desvirtuamento da campanha “Dimensão 22”, que faz alusão ao tamanho do espaço aéreo protegido pela FAB, tendo sido criada em 2017, mas que foi citada pelo jornal como sendo um apoio ao então candidato Jair Bolsonaro (cujo número nas urnas era “22”). A última notícia enganosa sobre aviação divulgada pelo jornal de Brasília é sobre um falso voo da bomba, imputando que os militares colocam em risco uma aeronave, seus tripulantes e os cidadãos brasiliense ao voar uma aeronave para em voo averiguar se existe uma bomba a bordo.
Fonte AEROIN
Por Por
Carlos Martins