Duas pesquisas recentes sobre fósseis do período Jurássico, conduzidas por cientistas da China, EUA e Austrália, lançam nova luz sobre a evolução dos mamíferos, incluindo os humanos, particularmente no que diz respeito ao desenvolvimento de nossos ouvidos e dentes.
Foram analisados quatro fósseis que datam de mais de 164 milhões de anos atrás. Três deles são do gênero Shuotheriidae, criaturas pequenas do tamanho de ratos que coexistiram com os dinossauros, que receberam o nome de Feredocodon chowi. O outro é do gênero Morganucodon e foi designado como Dianoconodon youngi.
A configuração peculiar dos dentes e orelhas dos shuotheriidae levanta questões sobre a transição da época dos dinossauros para a era moderna, na qual os mamíferos dominam, e sobre as conexões entre diferentes linhagens evolutivas.
“Nosso estudo desafia as teorias atuais e oferece uma nova perspectiva sobre a história evolutiva dos mammaliaformes. Ele fornece informações cruciais sobre as relações filogenéticas e trajetórias evolutivas dos shuotheriidae, que eram pouco conhecidos até recentemente, com descobertas na China”, disse em um comunicado a paleontóloga Patricia Vickers-Rich, da Universidade Monash, Austrália, coautora de um dos artigos publicados na revista Nature este mês.
Os shuotheriidae têm intrigado os paleontólogos desde os anos 1980, devido à forma de seus dentes, que não correspondem aos dos mamíferos modernos. Uma análise detalhada comparou essa forma com a de outro grupo de mamíferos chamados docodontanos, sugerindo que os shuotheriidae devem ser agrupados mais próximos destes.
Quanto aos ouvidos, os pesquisadores identificaram características-chave no ouvido médio, responsável por proporcionar aos mamíferos uma audição aguçada. Acredita-se que o ouvido médio tenha evoluído a partir das articulações da mandíbula. No entanto, a transição foi dificultada pela escassez de fósseis bem preservados.
Mandíbula inferior e orelha média mandibular do Dianoconodon youngi, a segunda nova espécie descrita. Crédito: Mao et al., Natureza, 2024
Um segundo estudo, também publicado na revista Nature, compara um fóssil de mamífero mais antigo, semelhante a répteis, com a recentemente descoberta espécie de shuotheriidae. Essa abordagem ajuda a elucidar a transformação evolutiva do osso da orelha média dos répteis para os mamíferos, que têm três ossos.
“Os cientistas têm buscado compreender a evolução do ouvido médio dos mamíferos desde a época de Darwin”, disse Jin Meng, paleontólogo do Museu Americano de História Natural de Nova York e coautor deste estudo. “Esses novos fósseis revelam um elo perdido crucial e enriquecem nossa compreensão da evolução gradual do ouvido médio dos mamíferos”.
As duas abordagens representam um redesenho do mapa evolutivo, redefinindo as relações entre os shuotheriidae e outros grupos de mamíferos. Esse remapeamento ajuda na compreensão de como as características evoluíram ao longo do tempo e das diferentes pressões ambientais que podem ter contribuído para elas.
Flavia Correia/Olhar Digital