Campo magnético em espiral é descoberto em buraco negro central da Via Láctea

Em 2022, foi revelada a primeira imagem real de Sagitário A* (Sgr A*), o buraco negro supermassivo central da Via Láctea, localizado a cerca de 27 mil anos-luz de distância da Terra. Embora ele seja pelo menos mil vezes menor e menos massivo do que o M87*, o primeiro buraco negro fotografado na história (ambos pelo projeto Event Horizon Telescope – EHT), as observações revelaram que os dois são bastante semelhantes, o que levou os cientistas a se questionarem se esses monstros cósmicos partilhariam características comuns para além da aparência.

Para o descobrir isso, uma equipe de cientistas do Observatório Europeu do Sul (ESO) decidiu estudar o Sgr A* em luz polarizada – resultando na primeira detecção dos campos magnéticos em espiral desse objeto, uma descoberta importantíssima relatada ontem, quarta-feira, 27, no periódico científico The Astrophysical Journal Letters. Astrônomos anunciaram a detecção de um campo magnético forte e organizado, torcido em uma forma espiral ao redor do Sagitário A*, o buraco negro supermassivo central da Via Láctea. Eles usaram luz polarizada para chegar a essa descoberta. Apenas um único buraco negro, M87*, já teve seu campo magnético detectado anteriormente.

A comparação entre os dois revela uma semelhança impressionante, que pode significar que a existência de campos magnéticos ordenados pode ser essencial para a interação dos buracos negros com seu entorno.

Estudos anteriores da luz em torno do buraco negro M87* revelaram que os campos magnéticos à sua volta permitiam que ele lançasse poderosos jatos de material para o espaço circundante. Novas imagens revelaram agora que o mesmo pode ser válido para Sagitário A*.

“O que estamos vendo são campos magnéticos fortes, torcidos e organizados perto do buraco negro situado no centro da Via Láctea”, disse Sara Issaoun, pesquisadora de PhD do Programa de Bolsas Hubble da NASA no Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian, nos EUA, e colíder do projeto. “Se juntarmos a isto o fato de Sgr A* ter uma estrutura de polarização muito semelhante à observada no muito maior e mais poderoso buraco negro M87*, parece-nos que campos magnéticos fortes e ordenados são fundamentais para a forma como os buracos negros interagem com o gás e a matéria que os rodeiam”.

 

LUZ POLARIZADA

A luz é composta por ondas eletromagnéticas oscilantes (ou em movimento), que nos permite ver os objetos. Por vezes, a luz oscila em uma orientação preferencial, quando a classificamos como “polarizada”.

É assim que funcionam, por exemplo, os óculos 3D – as duas lentes têm polarizações diferentes que permitem a entrada de apenas parte da luz para que nossos cérebros possam criar uma imagem 3D em nossa cabeça.

Como a luz polarizada ajuda a reduzir o brilho de fontes de luz brilhante, isso permitiu à equipe ter uma visão mais nítida das bordas de Sagitário A* e mapear as linhas do campo magnético ali presentes.

“Pela primeira vez, obtivemos imagens polarimétricas na escala do horizonte de eventos do buraco negro no centro de nossa galáxia, Sgr A*”, disse a pesquisadora Mariafelicia De Laurentis, cientista vice-líder do EHT e professora da Universidade de Nápoles Federico II, na Itália, em um comunicado.

“Graças à polarização da luz, essas imagens revelam uma estrutura magnética surpreendentemente detalhada e ordenada ao redor do buraco negro. É importante que essas imagens sejam oferecidas em luz polarizada porque nos permite ‘ver’ e entender a geometria do campo magnético ao redor do buraco negro, um aspecto crucial que não pode ser capturado apenas com luz não polarizada”, explicou De Laurentis.

No plasma que rodeia esses objetos colossais misteriosos, as partículas que giram em torno das linhas de campo magnético lhe atribuem um padrão de polarização perpendicular ao campo, o que permite aos astrônomos observar com riqueza de detalhes o que se passa naquelas regiões e mapear as linhas de campo magnético desses monstros cósmicos.

“A polarização é importante no estudo dos buracos negros porque nos fornece informações sobre a geometria e a dinâmica dos campos magnéticos ao redor do buraco negro”, disse a pesquisadora. “Esses campos desempenham um papel fundamental em processos de acreção e emissões de jatos, influenciando diretamente a observação de buracos negros e nossa compreensão da física que rege esses objetos extremos”.

Em comparação a outros buracos negros, Sagitário A* é bem tranquilo e calmo, o que é ótimo, porque tão longa distância, um buraco negro supermassivo ativo pode ter um impacto significativo, com a capacidade de moldar o destino de toda uma galáxia.

No caso do M87*, por exemplo, os campos magnéticos são fundamentais para a liberação de jatos poderosos. Ele foi observado liberando jatos de partículas a quase a velocidade da luz por cerca de cinco mil anos-luz de extensão. Ver no buraco negro central da Via Láctea as mesmas estruturas magnéticas que alimentam eventos de longo alcance em M87 sugere que esses são mecanismos subjacentes compartilhados por todos eles.

 

Flavia Correia /Olhar Digital