Se a aparência surpreende, os nomes deixam de boca aberta: rambutão, longan, yuzu… Que língua é essa? É na base do apetite por novidades e nutrientes que somos apresentados ao universo dos frutos exóticos, delícias que, com a globalização, se tornaram mais acessíveis (apesar do preço!) em feiras e hortifrútis pelo país.
Se sua descoberta, por si só, é um presente ao paladar, matando a fome e a curiosidade, ainda convém revelar outros tesouros escondidos nesses vegetais com DNA forasteiro.
Tesouros que também têm nomes estranhos, como xantona alfa-mangostina e sapotexantina — batizados, claro, por bioquímicos —, que ajudam a blindar nossas células e aparecem, respectivamente, no mangostim e na mamey, outras duas estrangeiras, que, ao escapulir de seu hábitat, hoje conquistam novos consumidores no Brasil.
A tendência é celebrada por especialistas. “Ao ampliarmos o repertório de alimentos, tomamos contato com uma maior diversidade de nutrientes e outros compostos bioativos”, afirma a nutricionista Maísa Mota Antunes, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Há 25 anos trabalhando com espécies exóticas, Airton Bueno Araújo Silva, proprietário da Frutas Luma, em São Paulo, observa uma demanda crescente. “Além dos chefs de cozinha, há consumidores mais interessados em descobrir sabores, aromas e texturas”, comenta. Particularmente as novas gerações, sobretudo a Z (os nascidos entre 1995 e 2010), já identificada como a dos “exploradores de comida”.
Só para ilustrar como anda o mercado, de acordo com a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), a média mensal de vendas do longan, também conhecido como olho-de-dragão, saltou de 703 quilos em 2019 para 9 152 quilos em 2024. O rambutão foi de 1 730 quilos para 6 248.
Arrebenta, ainda, uma onda de valorização de iguarias regionais, com maior procura de variedades da Amazônia ou do Cerrado. “O brasileiro precisa conhecer a diversidade nutricional, cultural e agronômica das espécies nativas”, defende o engenheiro-agrônomo Francisco Ferraz Laranjeira, chefe da Embrapa Mandioca e Fruticultura, em Cruz das Almas, na Bahia.
“Os estrangeiros ficam maravilhados com a qualidade e a variedade dos frutos brasileiros”, nota a nutricionista Fernanda Maluhy, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo. Então, olhando para dentro e fora do país, que tal abrir espaço na fruteira para uma turma diferenciada?
ACESSO FACILITADO
Além dos jovens exploradores de comida, tem gente que quer revisitar o passado e saborear frutas hoje incomuns em grandes cidades para nutrir suas memórias afetivas.
A professora Maísa sente saudades dos cajás colhidos direto do pé, na infância passada na cidade mineira de Montes Claros. “Ele tem um sabor curioso: ao morder é bem azedo, e logo depois fica doce”, descreve.
Em Belo Horizonte, onde mora hoje, a nutricionista quase não o encontra. “Mas lá no interior, quando vem a safra, montam-se banquinhas para vender na rua”, conta. E não é só o que tem DNA 100% nacional que dá as caras pelos sítios e veredas deste país.
O professor Laranjeira relata que, na temporada do rambutão — espécie de berço malaio também cultivado no Brasil —, aparecem caminhões abarrotados pelas rodovias do sul da Bahia. “Dá pra comprar na beira da estrada”, diz. Aí que está: hoje, praticamente todas as variedades estrangeiras que chegam ao mercado são plantadas e colhidas também por aqui.
Em geral oriundas de terras quentes, elas se adaptaram às nossas condições climáticas. Silva explica que boa parte desses frutos vem de pequenos agricultores espalhados pela nação, sendo a maioria dos seus fornecedores do interior paulista. “Embora alguns sejam encontrados durante o ano todo, há um rodízio de opções, de acordo com a sazonalidade”, detalha.
O mesmo raciocínio se aplica às nativas com pendor regional. Quem não tem a sorte de morar na Amazônia, por exemplo, precisa torcer para tipos como o camu-camu despontarem entre as gôndolas mais ao sul. Não só!
Algumas espécies, mais delicadas, pedem refrigeração e outros cuidados ao longo da cadeia, o que restringe o acesso e multiplica o preço. “Mas, quanto mais se tornarem conhecidas e com maior incentivo aos produtores, a tendência é aumentar a demanda e reduzir o custo”, vislumbra Laranjeira, que coordena o projeto Diálogos para Diversificação da Fruticultura na Embrapa.
OLHA O PARÁ!
O cupuaçu, outro amazônico, está cada vez mais popular nos quatro cantos do Brasil. Sua polpa, refrescante e ácida, é repleta de minerais como potássio, ferro e selênio, além de fornecer vitaminas C e do complexo B, fibras e substâncias antioxidantes. “Meu marido, que é paraense, utiliza nas mais variadas receitas doces”, revela Fernanda.
O companheiro, cozinheiro de mão-cheia, também gosta de incrementar seus pratos com o cumaru. “Sua semente atua como uma especiaria, parecida com a baunilha”, conta a nutricionista. Só que esse é bem mais difícil de encontrar por aí.
Entre exóticas e nativas, não faltam opções para os cozinheiros inovarem nos preparos. E não é à toa que muitos chefs bebem da fonte das tradições quando querem usar e abusar da diversidade e da criatividade.
Veja o caso do jenipapo, que ocorre naturalmente em todo o país, mas, em especial no Nordeste, é matéria-prima de licores e doces cristalizados, muito apreciados nas festas de São João. Atualmente, ele tem emprestado sua cor azulada a sobremesas finas em restaurantes sofisticados Brasil afora.
Seu nome vem do tupi-guarani nhamdipab e significa “fruto que dá tinta”. Foi batizado assim porque, quando ainda não está maduro, acumula um pigmento chamado genipina, que tende a ficar azul-escuro, quase negro, ao entrar em contato com o oxigênio. Os povos indígenas o utilizam para pintar o corpo em cerimônias e rituais.
Nos laboratórios, a mesmíssima substância é estudada como corante natural para a indústria de alimentos.
Outra espécie com potencial para enriquecer pratos de chefs e produtos de prateleira é o jambo. “Cientistas desenvolveram um tipo de farinha das sementes, que pode funcionar como espessante”, ilustra Fernanda. Como o fruto também carrega antocianinas, um pigmento antioxidante de tons avermelhados, ainda tem vocação para colorir a comida.
Mais um alimento de apelo regional que anda fazendo sucesso em receitas inusitadas é o jatobá. Apelidado de fruta-chulé, pelo aroma forte vindo de seus compostos voláteis, ostenta uma polpa com textura farinácea e coloração esverdeada, docinha e versátil na cozinha. “Pode compor receitas de pães, bolos, biscoitos…”, enumera Maísa.
Entre tantas frutas com cara de Brasil, o nutricionista Wallace Carlos de Sousa, da Universidade Federal do Tocantins (UFT), escolheu o buriti para pesquisar. “Ele sempre fez parte da minha vida, dos hábitos da minha casa e da minha cidade, que é Ananás [TO]”, justifica. “Minha mãe colhia, retirava o sumo, de forma artesanal, engarrafava e nos oferecia junto de farinha de mandioca.”
Pois Sousa desenvolveu uma farinha nutritiva, feita exclusivamente de cascas da fruta nativa do Cerrado, para incentivar o aproveitamento integral do alimento. O resultado esbanjou carotenoides, que se convertem em vitamina A no organismo, e compostos fenólicos, entre eles uma substância bem-vinda ao cérebro, a trigonelina.
E aí? Experimentou nosso buriti? E o kino, de raízes africanas? Já pensou em descobrir esse admirável mundo novo em sua fruteira?
Conheça, a seguir, algumas opções para ampliar as fronteiras do paladar:
Mangostim (Garcinia mangostana)
mangostim
Imagem fora do domínio Abril (Getty Images/VEJA)
Se, de um lado, nosso abacaxi, com coroa e tudo, é rei, o mangostim, vindo lá da Ásia, ocupa o posto de fruta-da-rainha. O título vem do século 19 por causa de uma notável fã, a monarca Vitória, da Inglaterra.
Passados tantos anos, continua condecorado, e hoje ocupa o sexto lugar no ranking de frutas populares da plataforma internacional TasteAtlas.
Coleciona atributos, a começar pela aparência, com sua casca roxa e grossa — chega a 1 centímetro de espessura —, que encerra uma polpa branca, cremosa, delicada, doce e com leve acidez. Fora vitaminas e minerais, oferece componentes de ação antioxidante e anti-inflamatória, com destaque para um exclusivo, a xantona alfa-mangostina.
Há indícios, apontados em estudos, de que essa rica mistura de fitoquímicos contribua para reduzir o risco de diabetes e câncer. Costuma ser apreciada in natura, embora apareça em receitas de sucos e geleias. “A casca serve de matéria-prima para uma farinha que incrementa bolos e massas”, diz a nutricionista Fernanda Maluhy.
OLHO-DE-DRAGÃO
Também chamado de longana, há quem defenda que seu berço é a Índia. Para outros vem do Sri Lanka, e tem ainda a turma que aponta a China como país de origem. Inclusive seu nome deriva de uma palavra chinesa que significa “olho do dragão”.
Quando partida ao meio, a fruta faz lembrar o órgão da visão — a polpa seria a esclera branca e a semente a íris negra —, e quem o batizou ainda fez referência à criatura mitológica, tão popular na Ásia.
O alimento integra a família Sapindaceae, que soma mais de 400 espécies, sendo a lichia e o rambutão seus parentes. Com cerca de 4 centímetros de diâmetro, o longan é aquoso e tem um leque de nutrientes e compostos fenólicos, entre os quais os ácidos gálico e elágico, além de flavonoides.
Tais substâncias aparecem na literatura científica como defensoras do endotélio, o tapete de células que recobre os vasos sanguíneos. O fruto seria, portanto, um guardião das artérias e do coração.
FRUTA-KINO
De aparência bem peculiar, o kino é conhecido como kiwano ou pepino-africano, mas também ganhou a alcunha de melão chifrudo em alguns lugares do mundo. Isso porque sua casca amarela está cheia de protuberâncias.
Os apelidos entregam suas origens: vem da África e é da família Cucurbitaceae, que, além do pepino, inclui melancia, melão, abóbora, entre outros. Com a consistência de geleia, sua polpa esverdeada é repleta de sementes, assim como as de seus parentes.
Quanto ao sabor, há quem sinta uma mistura de gostos. Desde algo meio neutro, parecido com melão, até notas doces, que evocam a banana, além de um toque dos cítricos. “É uma ótima opção para o preparo de sucos”, sugere Airton Silva.
Mas dá para apreciar ao natural ou em receitas de compotas e saladas de frutas, incrementando tudo com vitaminas do complexo B e minerais como magnésio.
FRUTA-MAMEY
Também conhecida como sapota — mas nada a ver com o sapoti, cabe adiantar —, tal designação seria derivada do asteca izapotl, que significa “fruta mole e doce”.
Nativa da América Central, alguns descrevem seu sabor como parecido com o caqui, o papaia e até com a abóbora. Faz sucesso em receitas de sorvetes, sobremesas e como molhos para acompanhar carnes. A polpa, de coloração que varia do alaranjado ao vermelho, denuncia a presença de carotenoides, família de pigmentos de potente ação antioxidante, que faz muito pela saúde.
Em um estudo recente, realizado por cientistas do Panamá e dos Estados Unidos, foram listados mais de 47 integrantes do grupo, inclusive a sapotexantina, que, assim como o alfa e o betacaroteno, se transforma em vitamina A no nosso corpo e resguarda os olhos, reduzindo o risco de encrencas como a degeneração macular, que pode levar à cegueira.
RAMBUTAO
O fruto da rambuteira, espécie procedente da Malásia, foi nomeado a partir da palavra rambut, que vem do malaio e significa “cabelo”. Tem tudo a ver com os filamentos macios e vermelhos que recobrem sua casca.
Trata-se de mais um dos integrantes da família Sapindaceae. E ele e sua prima, a lichia, apresentam similaridades. “O tamanho, a textura, o sabor doce e refrescante”, lista Laranjeira.
Contém minerais como o cobre, que aparece em estudos pela atuação em defesa da memória. Também é recheado, em toda a sua estrutura, de compostos fenólicos, aplaudidos pela ação antioxidante, sempre bem-vinda por proteger nossas células dos radicais livres.
Para quem tiver a sorte de encontrá-lo, fica perfeito em receitas de doces, de sucos e, na culinária asiática, também aparece em pratos salgados. O mais comum, entretanto, é devorá-lo in natura, saboreando a polpa suculenta que envolve uma única semente.
YUZU-FRUTA
Vem lá da Ásia o fruto que tem encantado cozinheiros ao redor do globo. Trata-se de um híbrido de dois cítricos, uma tangerina e um limão. “De tamanho pequeno, tem muitas sementes, e o sabor tende a ser mais azedinho, por isso não costuma ser consumido ao natural”, conta Laranjeira.
Perfuma molhos, e nesse formato combina com peixes, frutos do mar, entre outros ingredientes da culinária asiática, especialmente a japonesa. Mas também faz bonito em doces. “Fica maravilhoso como recheio de bombom”, elogia Maísa.
Além de marcar presença na cozinha, aparece em centros de pesquisa que esmiúçam seu conteúdo nutricional. Entre as riquezas, destaque para a concentração de flavonoides, sobretudo a classe chamada flavononas, e, dentro dela, substâncias como naringina, hesperidina, naringenina e hesperetina, que são mencionadas nos artigos científicos como aliadas da saúde cerebral.
JAMBO-VERMELHO
Tem jambo branco, amarelo… e o vermelho. E há quem pense que todos são nativos. Mas a espécie acima é de matriz asiática. Pertencente à família Myrtaceae, a mesma da nossa pitangueira, o jambeiro enfeita ruas tanto aqui como em outras praças às quais se aclimatou.
Na primavera, as folhas rosadas formam belos tapetes pelo chão. “Ele se adaptou bem às cidades do litoral brasileiro”, comenta Silva. Mas há pomares espalhados por todos os cantos, especialmente onde não faz frio, já que não gosta de temperaturas baixas.
O fruto tem, em média, 5 centímetros, formato de pera e casca fina de coloração vermelha ou roxa, resultante da concentração de antocianinas, pigmentos estudados pelos efeitos cardiovasculares.
“Oferece, ainda, as vitaminas A e B6, bem como minerais, caso do cálcio e do fósforo”, diz Fernanda. Suculento e suave, dá para degustar em sucos, compotas e geleias… Ou, na beira da praia, direto do pé.
Fonte Veja.Abril
Por Regina Célia Pereira (texto), Estúdio Coral (design)
(Fotos: Getty Images/Veja Saúde)